Sobre a Depressão

 A morte de uma amiga querida por causa de depressão e suicídio me fez refletir sobre a minha própria experiência com depressão.


Eu cheguei no fundo do poço, me sentia totalmente sozinha e isolada do mundo. Meu cérebro é super visual, então a imagem que eu tinha na minha cabeça é que eu estava num penhasco que era uma ilha. Um pedaço de terra que só tinha tamanho suficiente pro meu corpo e um cânion  me cercando por todos os lados. Eu não conseguia ver o chão de tão profundo que o cânion era, mas eu conseguia ver terra do outro lado do cânio, na mesma altura onde eu estava. Sem uma ponte, ver o outro lado não adiantava em nada porque eu não conseguia chegar até lá e os outros não conseguiam chegar até mim.


Eu não conseguia mais sentir prazer nas atividades que eu mais gostava. Eu não queria ver ninguém ou passar tempo com os outros. Eu não queria mais ir pra faculdade, não via mais sentido em viver. Comecei a imaginar o quão melhor seria se eu não existisse e se a angústia de viver não existisse. Dai comecei a planejar tirar minha vida.


Esses pensamentos pareciam acontecer no automático, como se eu tomasse consciência deles só depois de eles acontecerem. Era uma experiência bizarra, como se eu estivesse assistindo um filme ou algo externo à mim mesma.


Foi numa dessas experiências que me despertei desses pensamentos e me perguntei: o que está acontecendo comigo?


Eu estava na reta final do curso de psicologia e reconhecendo meus sintomas como depressão, tentei me lembrar das aulas sobre depressão. Me lembrei do nosso professor falando que depressão era uma doença e que tinha tratamento. Que o cérebro da pessoa em depressão entra num ciclo vicioso de negatividade onde as pessoas tem uma visão deturpada da realidade. Só consegue ver o negativo e os problemas e começa a sentir desesperança, como se aqueles problemas não tivessem fim e fossem durar pra sempre.


Nesse momento decidi: essa não sou eu, esses pensamentos não são eu, é essa doença que não está me deixando ver as coisas com clareza. Eu preciso de ajuda, preciso contar pras pessoas ao meu redor o que está acontecendo comigo. Se eu não pedir ajuda, esses pensamentos vão me consumir.


E assim comecei psicoterapia. Há uma diferença enorme entre entender os conceitos de saúde mental intelectualmente e de praticar eles na sua vida, ter a experiência empírica. Comecei por meio dessa jornada a descobrir a falta de cuidado que eu tinha comigo mesma. Não sabia muito bem identificar minhas emoções, me confortar, entre outras questões básica para se viver bem. Muitas mulheres são educadas desde pequenas a servir o outro, cuidar do outro, fazer seu melhor para o outro. E não sabem identificar os seus limites, prestar atenção do que elas precisam, descansar e assim por diante. 


Essas reflexões e aprendizados não foram fáceis e não aconteceram do dia pra noite. Leva tempo mudar hábitos que vem sido repetidos e reforçados por mais de 20 anos. Mas eles aconteceram e pouco a pouco fui recuperando a alegria de viver. Acredito que foi um percurso de mais ou menos 1 ano. E no ano seguinte eu ainda estava com muito medo de voltar a ter depressão, me sentindo fragilizada. Eu pensava pra mim mesma - será que vou ter que viver a vida toda na sombra da depressão? Também aprendi que a depressão que vivi foi resultado de um processo de burnout de estudar e trabalhar em período integral por tantos anos. Um processo de esvaziamento, de negar minhas próprias necessidades físicas e psicológicas.


Me sinto totalmente curada e imensamente grata por ter escolhido viver. As experiências de vida que tive depois dessa decisão foram muito além do que eu poderia sonhar. Por exemplo, vivi alguns anos com meu marido como nômades digitais conhecendo o Brasil e grande parte da América do Sul. Tantos lugares lindos que eu nem sabia que existiam. Aqueles momentos de se perguntar “nossa, que surreal, estou mesmo vivendo isso?”. Hoje moramos na Austrália, onde vivo uma segurança enquanto mulher que nunca senti em nenhum outro lugar no mundo. Construi uma carreira que me proporcionou uma renda muita acima de quaisquer inspirações pessoais prévias. E quando os problemas vêm, obviamente eles sempre vêm, consigo passar por eles sem me afogar ou ser consumida por eles.


Quando um paciente termina com sucesso um tratamento de câncer, o médico costuma entregar o discurso de que a doença está em remissão e que as chances dessa pessoa voltar a ter câncer é a mesma do restante da população. Penso que essa afirmação é verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Se o câncer foi causado por um comportamento, como fumar, a pessoa terá que mudar seu comportamento para não mais ter problemas de saúde relacionados ao fumo. Assim é a depressão, mudando o tipo de comportamento que te levou a esse problema, você pode sim viver o resto da sua vida sem voltar a ter depressão.


Eu não só consegui sair de um quadro de depressão com ideação suicída, mas consegui um nível de conforto psicológico e emocional que nunca tinha tido na vida. E não quer dizer uma vida sem problemas porque isso não existe, mas uma resiliência e leveza que eu não tinha anteriormente. Posso um dia voltar a ter depressão assim como qualquer pessoa pode ter, porém sinto que tenho o conhecimento e ferramentas pra preveni-la. 


Não acredito que alguém possa tomar uma decisão consciente de tirar sua vida enquanto estiver dentro de um quadro de depressão. Pois a depressão colore sua visão de mundo e cognição de maneira a tirar o brilho de tudo e trazendo uma certeza de que o futuro vai ser tão doloroso quanto o seu presente. E tudo na vida passa. A pessoa está agindo sobre os efeitos da depressão, já que ela muda a própria composição dos processos químicos do nosso cérebro. Da mesma forma que a pessoa começa agir fora de sua consciência sob efeitos de um alto volume de alcool ou certas drogas. O suicídio na depressão não é um ato consciente. Ele pode ser detalhadamente planejado, mas não consciente.


E eu gostaria que as pessoas soubessem disso. Não dito por alguém que nunca perdeu a esperença de viver, mas por alguém que passou por isso e pode te afirmar que as coisas vão melhorar. A vida tem altos e baixos e acreditar que vai ser sempre baixos ou sempre altos só causa dor e sofrimento. É nesses momentos de isolamento e solidão que você mais precisa se abrir e pedir a ajuda de quem está ao seu redor. Principalmente quando você sente que as pessoas a sua volta não entendem a depressão ou não conseguem te dar o apoio necessário, procure um psicólogo. Muitos centros de saúde do SUS já contam com psicólogo na sua equipe base, informa-se sobre como funciona o agendamento. Também é possível encontrar serviços de psicologia gratuítos junto a faculdades que tem esse curso porque os alunos precisam fazer no mínimo um ano de atendimentos supervisionados para conseguir se formar. Além dessas duas opções, também há vários psicólogos que dão descontos e fazem um valor comunitários para pessoas que comprovem estar em situação de vulnerabilidade financeira. Então há várias opções de atendimento gratuito ou de baixo custo.


Por fim, se você não quer se atender com o (s) psicólogo (s) da sua cidade, saiba que é possível fazer atendimentos remotos. Recomendo o site Psitto pois o valor da sessão e especialidade do psicológo já estão descritos no site. Psicólogos em centros urbanos podem ser bem mais baratos que na sua região então é importante saber dessas opções. Depressão é um problema sério, procure uma opção que dê certo pra você. Da mesma maneira que quando temos um problema ou dor física vamos buscar médicos e exames, temos que encarar nossa saúde mental com a mesma seriedade. Ela é necessária para fazermos as atividades do dia-a-dia e pra viver bem. Tomar uma birita no bar e desabafar pra um amigo pode trazer um conforto imediato, contudo, dificilmente vai resolver o problema. Hoje, compartilho minha história para que outros saibam que sob a influencia depressão nossa visão de mundo está distorcida, e que há sempre esperança e ajuda disponível. Você não está sozinho e as coisas vão melhorar.

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